Quem nunca se pegou reclamando da cena do skate de sua cidade? Eu já, por diversas vezes, mas conhecer um pouco do que acontece em Cuba me fez perceber o quanto sou afortunada e admirar a força dos skatistas cubanos que dependem de Fundações para obter suas peças e tênis de skate.

Existem somente duas skate parks e um total de zero skate shops por TODO país. Ariadna Pérez Ballester (@skate_en_cuba_documental), skatista cubana, compartilha conosco a realidade que ela e muitos companheirxs vivem. 

Ary, primeiramente quero agradecer por aceitar essa entrevista, conversando contigo senti a necessidade de fazer a minha parte para que mais pessoas saibam da situação em que se encontram. Vocês são sinônimo de resistência. Me diga como é não contar com nenhum tipo de apoio do governo, não ter loja para comprar suas peças, muito menos onde andar de skate sem medo de ser multada por isso?

  Olá! Um prazer esta oportunidade que você está me dando e muito obrigada. É difícil e tem sido difícil ao longo de todos os anos em que estive no mundo do skate cubano. É difícil para os chicxs quebrarem seus shapes e ficarem sem esperança de continuar. Ainda hoje, um menino e uma menina vieram me ver, seus shapes quebraram, e queriam saber se eu poderia ajudá-los a conseguir outro. Felizmente hoje eu posso. Mas cinco anos atrás, foi um pouco frustrante, porque pelo menos na minha província de Camagüey não chegava nada e não tínhamos nada para andar de skate. Acrescente a isso o fato da polícia te incomodar quando se está andando de skate nas ruas ou nos parques, e ao mesmo tempo, o governo não lhe dá um espaço livre para praticar seu esporte como você deseja, limitando também que o skate em muitos casos, serve como um meio de transporte e não é fácil andar de skate com medo de novas multas ou avisos, como se você fosse um criminoso. É por isso e pela falta de recursos que muitos jovens desistem e abandonam, o que faz esse movimento não crescer. Muita pressão social para eles, e nas meninas ainda é algo mais complicado. Para mim, não foi fácil, mas sou teimosa e defendo minha posição, mas quando você é adolescente e sua cidade, as pessoas ao seu redor não entendem o que você ama e o trata de maneira diferente, abandonar é a coisa mais fácil. Aqui para na minha área, as meninas skatistas são realmente uma minoria.

 

Quais são essas Fundações que doam as peças vindas de outros países para que possam continuar andando de skate? Como funcionam? Por enquanto só atuam na capital. Certo?

  As fundações são diversas. Amigo Skate Cuba, Cuba Skate, Skate for Hope, Board for Brosny e outras, além de pessoas independentes que eu não conheço todas, porque concentram seu trabalho principalmente na capital cubana. E já é tempo do movimento crescer com mais atenção no resto de Cuba. Nesse sentido, tem sido o Amigo Skate Cuba que mais se preocupa em conseguir pequenas doações para diferentes comunidades. Obrigado a eles em Camagüey não há mais falta de shapes ou acessórios e isso é uma ajuda muito apreciada. Além de convidar representantes de diferentes comunidades de skate do país para os eventos que acontecem em La Habana. Com o documentário, estou servindo como um mapa para que essas comunidades se conheçam e recebam ajuda de todos que desejam acessar o interior da ilha.

 

Diante de toda dificuldade, veio a ideia de criar um documentário sobre o skate cubano. É incrível termos uma mulher na linha de frente desse projeto que mostrará o amor que sentem pelo skate e, de alguma forma servirá de ajuda para melhorar a cena. Por causa da pandemia, deram uma pausa nas filmagens, mas planejam ainda passar por quantas cidade?

  Para mim, é realmente uma paixão. Não sou skatista profissional nem tenho muitas manobras, mas adoro a cultura do skate, porque, caso contrário, não ficaria tão apegado a ela desde que o conheci. E acho que, em Cuba ser skatista é uma questão de muito amor e resistência. Nascida e criada em minha cidade natal, sofri o que chamamos de “fatalidade geográfica” e no skate se sente. Nenhum skatista de Camagüey conhece uma skate park, exceto aqueles que visitaram La Habana. Onde as rampas não são um mistério, haha. É daí que vem meu desejo por este documentário. Quero mostrar tudo isso, através das histórias dos próprios skatistas. Quero que eles se sintam parte desse grande movimento, que saibam o quanto são importantes, que os motivem para nunca desistir. Além disso, quem sabe, pois eu sonho demais, esse trabalho possa servir para o governo pensar em parar de nos ignorar e fazer algo por todos nós em toda a ilha. E se esse sonho não acontecer, essas fundações estão sempre prontas para ajudar Cuba a saber que existimos para tudo isso. O documentário visa o projeto nas províncias de Santa Clara, Ciego de Ávila, Camagüey, Holguin, Santiago de Cuba e Guantánamo. E recentemente adicionamos Las Tunas porque, à medida que nosso trabalho nas redes cresceu, mostrando o que fazemos, os caras se aproximaram de nós pedindo que chegássemos a eles e lhes dessem essa oportunidade. E claro! Nós sempre iremos. Dependemos de um orçamento limitado, o que cria obstáculos para nós, mas faremos todo o possível para todos. Com a pandemia, sofremos um atraso de 3 meses nas filmagens, mas já começaremos novamente no final deste mês. E esperamos reunir todo o material audiovisual que nos falta e começar com a edição.

Saibam que podem contar conosco para esse doc quando pronto. Agora me fale sobre o movimento em La Habana, além de eventos, de que forma os skatistas conseguem fomentar o skate na capital? 

  La Habana tem um ótimo movimento de skate, até meninas que fazem maravilhas! As duas skate parks existentes estão sempre cheias e a comunidade se mistura com arte, grafite, música e muito mais. Eles até têm suas equipes de Skate 23 y G, Acapulco Skateboard… Mas tudo acontece somente em La Habana, e é magnífico, mas seria melhor se isso crescesse para o resto do país.

Você mencionou a existência das crews @amigoskatecuba e @amigaskatecuba, nos conte sobre cada uma?

  Amigo Skate Cuba é uma fundação que trabalha duro para promover o skate em Cuba. Muitos bons momentos com Amigo, uma vez que Corey Duffel esteve conosco, eu tive a oportunidade de estar em La Habana naquele evento, conhecê-lo e conversar com ele, foi uma experiência e tanto. Ele também está muito interessado no crescimento do skate em Cuba e isso é algo muito importante. Amiga Skate Cuba nasceu este ano como parte de Amigo. Sendo a representação direta das meninas que andam de skate.

 

 

Como e quando você se interessou por essa tábua com rodinhas?

  A primeira vez que vi um skate, eu tinha 17 anos, na época era uma novidade. Não tínhamos condições e andávamos de skate com shapes que quebravam com muita facilidade. Naquela época, não sabíamos sobre o Amigo Skate, nem nada. Então estávamos sozinhos por nossos meios. Quando comecei a universidade, deixei de lado, mas sem abandonar esse amor, quando me formei, voltei ao skate e, desde então, o skate não saiu mais da minha vida.

 

De todas as dificuldades qual é a maior em ser mulher skatista em Cuba? 

  A visão da sociedade em relação a nós. É desaprovado, especialmente no interior da ilha. Essa é uma pressão enorme para essas garotas, especialmente se você é uma jovem adolescente e tem que conviver com essa pressão social, também quando você é uma mulher adulta, como no meu caso, aspiram a você se casar e ter filhos. Sem levar em conta que podemos ser tudo isso, mas sem abandonar o skate.

Gostaria de deixar alguma mensagem para todos que estão lendo essa entrevista? 

  Continue sendo forte, continue defendendo o que você ama. Hoje somos uma minoria e estamos fazendo história, mas amanhã seremos muitos e abriremos esse precedente para que amanhã não haja pressão social, não haja ignorância.

 

Por: Estefania Lima
Fotos: Arquivo Pessoal
Vídeo: @eltoquecom