(publicada na edição 147)

MUITO ALÉM DO SKATISTA

JOHN CARDIEL

É contraditório chamar de lenda alguém tão real como John Cardiel. Em mais uma visita ao Brasil, nenhuma manobra memorável, mas uma lição para jamais ser esquecida: a de que o homem sempre estará acima do skatista.

É ninguém mais ninguém menos que Mark Gonzales quem assina uma espécie de prefácio, dizendo que quanto mais rápido John Cardiel vai, mais controle ele parece ter. Cardiel foi ícone numa época em que a grandeza do skate não se media por exposição na mídia, pela quantidade de público nos eventos ou pela audiência de TV e internet: na sua época, skate se media em velocidade, em altura de aéreos, em distâncias percorridas com o eixo de trás. E nesses quesitos, se revelava um verdadeiro campeão.

É contraditório chamar de lenda alguém tão real quanto John Cardiel, que lidou com situações tão comuns como ter família pouco estruturada ou únicas, como a  glória de ser o Skatista do Ano -aos 19 anos- nos EUA em 1992. Nascido em 1973, Cardiel recebeu a herança genética de tios lutadores de kung fu, avô que lutou na Segunda Guerra Mundial e pai no Vietnam, enquanto a mãe fornecia carinho e compreensão

Depois de anos no topo, sendo mundialmente reconhecido tanto por sua coragem e técnica como pela humildade, acumulou amigos e proezas como poucos. Numa das ironias da vida, sofreu um acidente automobilístico que afetou gravemente sua coluna, e nunca mais conseguiu ser tão rápido sobre o skate como antes. E aí se mostrou ainda maior: obrigado a diminuir a velocidade, não perdeu o controle.

O que é preciso pra ser uma lenda do skate?

Anos de skate… Tem que andar de skate. Entregar toda sua energia pro skate, e nunca parar. Se você fizer isso, será uma lenda um dia.

Hoje em dia é comum partes de vídeo em que skatistas mesclam street e transições. Você percebe alguma influência sua nessa nova realidade?

Talvez não tenha sido exatamente minha influência. Isso não é um estilo que escolhi, mas uma coisa natural para mim. Você não pode se prender a um só tipo de skate. Quanto mais variar os terrenos, melhor skatista você será. É assim que eu penso. Eu sempre tentei aproximar esses diferentes estilos, com a mesma energia em todos.

 

Quem são os skatistas que você gosta de ver andar?

Basicamente meus amigos, como Tony Trujillo, Chris Pfanner, Peabody, Peter Hewitt.

 

Falando em Trujillo, você foi homenageado através de uma música. Como foi isso? (A banda de Tony Trujillo chama-se “Bad Shit”, e uma de suas músicas é “All hail Cardiel”.)

Uma loucura. Eles são meus amigos e fizeram essa surpresa. É até difícil pra mim ouvir a música, mas eles me amam, e eu também os amo, então está tudo certo.

 

Como você entende o termo “boardsports”? Skate pode se classificar na mesma categoria do surf ou do snowboard?

O Skate é rei! Skateboard é o centro de tudo.  À partir dele, giram as outras coisas. É isso que eu penso. Faz sentido pra você? (risos)

 

Como é sua condição física atual?

Eu não consigo mais andar de skate.  Se bato o tail no chão, o skate não sobe, não consigo dar um ollie. Minhas pernas não permitem isso. Além disso, não posso cair também. Não posso correr, não consigo pular, então fica realmente difícil. Então, andar de bike me faz sentir a mesma sensação do skate, de velocidade, vento, de ver as coisas numa velocidade diferente. É por isso que ando de bike. Se eu pudesse andar de skate, estaria andando direto. Andar de bike não foi uma “mudança”, ou algo assim. É simplesmente a minha realidade.

Apesar dessa limitação, você acha que sua recuperação física é sua maior conquista? Afinal, você ouviu que nunca mais iria poder sequer caminhar…

Você lida com a vida como ela vem pra você. A parte mais difícil é agora, é hoje. Ver todo o esforço que fiz durante à recuperação, e a realidade de que continuo sem andar de skate. A parte difícil é tomar consciência, e aceitar essa situação.

Você viveu o início dos anos 90, com todas aquelas mudanças no skate. Como se lembra daquela época?

Como uma época em que estava bem e fazendo aquilo que amo. Fazer parte daquilo foi perfeito, tenho muitas lembranças daquela época. As rodas eram tão pequenas! (risos) E com as rodas pequenas tudo era mais difícil: era difícil para pegar velocidade, para dar manobras, etc. Era uma época estranha. Os shapes eram muito estranhos… Era tudo muito diferente. Mas de repente começou a melhorar, o skate voltou a ser veloz e fomos em frente. Mas foi necessário passar por aquela fase. E tenho orgulho disso.

John Cardiel em “Sight Unseen”: