Das 9h30 às 11h40

@entao_virgula

 

O interfone tocou às 9h30. “Salve, Marcelo. É o Victor”, disse a voz do outro lado do aparelho. Desci as escadas e fui receber o skatista e economista de sobrenome Adoglio, morador de Itanhaém, litoral sul de São Paulo. Antes de entrar em casa, perguntei se ele tinha medo de cachorro. Disse que “não, pelo contrário”, e foi recebido daquele jeito estridente pelo Sócrates.

Como bom anfitrião, ofereci bolo e café, com a trilha sonora do Joe Lally que tocava na vitrola. Era a primeira vez que nos víamos, mas o skate tem dessas coisas: aproxima as pessoas, estabelecendo uma conexão imediata entre desconhecidos. Na mesa da cozinha, o panorama geral foi traçado: 22 anos, nascido em São Paulo (“morava do lado da Dina”), reside na praia desde os 15. O cabelo comprido e a camiseta do Rainbow (banda de rock dos anos 70) denunciavam a predileção musical. E, no skate, as referências iam surgindo ao longo da conversa: Gonz, Cardiel, Grant Taylor…

Eu já acompanhava os trampos de arte do Victor no mundão da Internet, conforme ele ia postando no Instagram (@swongopush). Daí nasceu a ideia de fazer algo na revista. A pasta com os trabalhos subiu a serra com ele, dentro da mochila, e espalhamos o material no chão do escritório. Escolhemos esse trampo da página ao lado. Em geral, ele usa recortes de revistas de skate para compor suas colagens. Nesse caso, meteu a tesoura num anúncio da Plural, publicado na ed. 198 da Cemporcento.

“Tô com um pouco de ressaca”, ele confessou. Na noite anterior, Victor tinha entregado o seu TCC, na Universidade Católica de Santos. O tema? “Política monetária nos governos Dilma: uma abordagem sob a ótica da Economia Comportamental”. Ele tentou explicar, eu fingi que entendi e mudamos de assunto… parcialmente. Fiquei intrigado com a aparente distância entre a economia e a arte, e recebi uma resposta que sacudiu a minha ignorância: “Tive um professor na faculdade cujo conteúdo abordava gráficos 3D, e assim tive contato com perspectiva e sombras. Esse professor tinha uma habilidade excepcional nos desenhos, e isso me influenciou até mesmo a fazer artes com funções matemáticas. O papel milimetrado[1] saiu justamente das aulas de cálculos”. Dizem que a matemática está em tudo, até mesmo onde a gente menos imagina…

O relógio marcou 10h20. Estávamos atrasados pra sessão. O Douglas e o Tadeu nos esperavam na pista do Terra Nova. Emprestei um skate para o Victor e fomos pra rua. No caminho, deu tempo de falar um pouco sobre a Squad Shit: “Se resume a amigos que, por meio digital, procuram expor suas ideias para outras pessoas. Sempre com o doce gosto do sarcasmo de Matheus Stuque”. No trânsito sempre intenso da Anchieta, ouvimos Propagandhi (que ele não conhecia), e ele comentou que está numa fase de escutar muito Death: “Fico até com a garganta doendo de cantar junto”. Revelou que quer montar uma banda, mas ainda não conseguiu encontrar um baterista disponível em Itanhaém.

Fizemos uma sessão rápida, mas divertida. Como estampou a própria Squad Shit numa collab com a Agacê, “Ande de skate, gostoso demais”. Sempre é. Às 11h40, o Douglas anunciou que precisava vazar e ofereceu uma carona pro Victor até o metrô. Carona aceita, chegou o momento de me despedir do meu novo amigo, não sem antes avisar que darei um salve quando estiver na baixada, para que possamos andar na lendária Caverna. “Só avisar”. Até breve, meu chapa.

[1] Como é possível ver na arte abaixo, na qual o papel milimetrado compõe com os recortes da revista.

(publicado na edição 216)