Durante a segunda metade da década de 1990, e sobretudo nos anos que se seguiram à virada do milênio, presenciamos a proliferação das chamadas “pistas de skate”, em especial àquelas destinadas a disciplinar o skate urbano. O modelo era simples: uma 45º, um quarter, funbox, às vezes um corrimão e, como regra, o famigerado caixote no solo (às vezes acompanhado de um trilho). Pronto! Estava dada a fórmula para sepultar toda a criatividade e o inusitado das ruas, tal como nos ensinaram os criadores desta modalidade nos anos 80 (leia-se Natas Kaupas) e na revolução que se seguiu na primeira metade dos anos 90 (leia-se Plan B).

O skate foi ficando chato e previsível! Na 45º era o lugar do switch hell flip ou do nollie flip 180º. O quarterera usado mais para dropar e ir em direção ao funbox (que de fun não tinha quase nada!). Esse modelo criou o padrão para os campeonatos e, dele, surgiu o conceito de “pistoleiro”, espécie de robôs que davam sempre as mesmas manobras para vencer as competições, conquistar patrocínios e fazer dinheiro com a prática. Assim, o skatista foi se tornando um atleta… E o final desta história conhecemos bem: o skate entrou nas Olimpíadas!

No entanto, a história nunca é uma via de mão simples! Pois no meio deste processo, algo diverso também ocorreu! Quando tudo parecia rumar para a homogeneização dos gestos e estilos, eis que houve quem soube recuperar um antigo ensinamento surgido do movimento Punk: o conceito “Do It Yourself”. A ideia de fazer acontecer foi acompanhada da customização, tendência que estava começando a entrar em voga. O sopro de esperança ocorreu quando skatistas passaram a ocupar espaços e quadras (muitas das quais abandonadas)e, eles próprios, resolveram fabricar seus próprios obstáculos, dando vazão a formatos e estranhices que não se encontravam nessas “antigas” pistas de skate.

Créditos: Coletivo Ruativa

De repente, parecia que tudo era possível! Os canos tomaram a forma de arcos, uns maiores, outros menores e alguns até em zigue-zagues; caixotes começaram a aparecer em cima das 45º e as funboxes de outrora desapareceram para dar lugar a uma infinidade de outras tendências: paredinhas inclinadas, rampas de wallride, guias, curbs etc. Nesses novos espaços de diversão, o skate reencontrou inspiração: as manobras foram deixando de ter um padrão e se tornaram fluídas e descentradas. Truques antigos foram recuperados, reinterpretados e passaram a conviver com os mais diversos flips, o que criou uma bricolagem de estilos e técnicas corporais.

Partindo deste cenário, podemos nos perguntar: qual a tendência para o futuro? Historiadores não fazem previsões, mas arrisco a dizer que, observando alguns indícios e com a presença cada vez maior de skatistas nas Universidades, tende a surgir profissionais de Arquitetura oriundos do meio do skate e que, distante do que ocorria no passado, passem a incorporar nas pistas os desejos de quem faz a cena DIY.

Alguns desses arquitetos já estão a pleno vapor: Mário Jorge Hermani e Rafael Murolo são duas referências neste sentido! Rafael Murolo, por exemplo, conhecido por projetar o memorial skatável no Vale do Anhangabaú, afirma que:

Skatistas criam cotidianamente novos lugares urbanos ao reinterpretar e subverter espaços da cidade por meio de seus corpos e manobras. Retomam a dimensão do uso múltiplo do espaço livre público, algo que foi se perdendo nas cidades modernas, e buscam formas de liberdade de ser e permanecer na cidade.As pistas de skate, enquanto equipamentos urbanos, podem refletir esse ímpeto de ressignificação e ser também reinterpretadas como espaços urbanos múltiplos, de lugar público da permanência e convívio, ao mesmo tempo em que se destina totalmente à prática do skate. Cada terreno tem uma característica única, em situações sempre específicas, assim como os picos de rua. Acredito que o projeto de uma pista de skate pode refletir essa singularidade do local e ela pode ser entendida também como construção de cidade, urbanidade, ao mesmo tempo em que oferece novos desafios para a prática do skate.

Assim, ao compreender a construção das pistas em simbiose com as singularidades dos terrenos, e as mesmas como espaços/equipamentos urbanos passíveis de reinterpretação, Murolo nos oferece uma renovada compreensão da função que as pistas podem exercer na contemporaneidade. De forma similar, o arquiteto (e também skatista profissional) Mário Hermani, explica que:

Já vi skatista dropando uma pedra e dando ollie de back 36 caindo na água. Tudo pode ser intervencionado pelo skate. TUDO! Todos os dias ele se reinventa e gera novos observadores. Acredito que a revisão dos formatos das pistas surge com a sensibilidade de compreender essa efemeridade, um questionamento apurado sobre a repetição, de não deixar o raso prevalecer e, como diria Belchior, “o novo sempre vem.

Ao que tudo indica, podemos estar saindo da era das pistas como disciplina para um novo momento, o qual podemos chamar, dada a amálgama que promovem entre elementos lúdicos e urbanos, de espaços criativos! Assim, tantos aqueles que contam com intervenções dos próprios skatistas, como a Quadrespra, a Prafinha, o espaço abaixo do viaduto da Pompéia, em São Paulo; ou os obstáculos criados na Praça XV, no Rio de Janeiro/RJ, entre outrostantos existentes fora do eixo RJ/SP, como a quadra do Resistência Crew em Blumenau/SC, são espaços, todos eles, heterotópicos e abertos à criatividade.

Quadrespra (SP)

Até que ponto as novas e futuras pistas que hão de ser construídas pelos poderes institucionalizados (leia-se prefeituras) se ocuparão de interagir com essa tendência desconstrutivista dos espaços moldados pelo “olhar skatista” é um ponto ainda em observação. De todo modo, não há como negar que algo novo vem acontecendo sob nossos olhos!