Tenho um filho de 5 anos. Bom, quase isso: 4 anos e 11 meses. E ele curte Mupy de saquinho. Eu também curtia, na época em que ainda se chamava Mamy. Então, alguns dias atrás, resolvi roubar um do “estoque” dele pra matar a saudade. Achei doce demais. Meu paladar mudou ou a fórmula que sofreu alterações ao longo do tempo? Talvez um pouco das duas coisas…
Isso, todavia, não deleta a memória afetiva.
Beeeeeeeeem no início dos anos 1990, a pista de São Caetano era um dos nossos redutos favoritos. Skatepark gigantesca e dotada de qualidade superior para o período, ela atraía skatistas de todos os cantos de São Paulo. No meu caso, havia ainda o fator da proximidade: eu morava em São Bernardo, coisa de 30 minutos de busão pra chegar no paraíso. Além disso, cursava o ensino médio no Torloni, uma escola estadual a poucos metros de distância da pista. Então, era normal levar o skate de manhã pra escola e, ao final das aulas, ali pelo horário do almoço, descer a rua levemente inclinada, dobrar à direita na frente do parque e remar mais um pouquinho (inicialmente na subida) pra chegar na pista.
Nem sempre havia dinheiro para almoçar.
Depois de andar de skate a tarde toda, a barriga inevitavelmente começava a roncar. Como dizem, a fome é o melhor tempero… Mas não acho que era só isso. O ambiente, os amigos, a alegria da sessão compartilhada, a inocência da juventude, tudo isso também era tempero. E assim, quando o bolso permitia, havia um combo sagrado que me dá água na boca até hoje: “Dona Ângela, quero uma fatia de bolo de chocolate e um Mamy de morango”. Meus amigos, minhas amigas, aquilo era o melhor rango do mundo.
(Breve adendo: a mudança de nome – de Mamy para Mupy – ocorreu ainda nos anos 1990, por meio de um concurso cultural. Tenho até um amigo cujo apelido é Mamy, mas ele não foi rebatizado como Mupy. Manteve a alcunha da época, rs)
Refeição finalizada, atravessava a rua pra pegar o Transbus verde e amarelo que me conduziria ao Pombal. Barriga cheia, cabeça feita. De vez em quando algum cobrador mal-humorado tentava questionar a utilização do bilhete escolar, então tinha que mostrar o conteúdo da mochila que carregava nas costas, com cadernos, livros didáticos e o uniforme. Mas nem isso estragava o rolê. Dava o play no walkman, aumentava o som e seguia tranquilo ouvindo Big Drill Car ou Casual.
Esse foi o meu ritual centenas de vezes, mas acabou mudando quando descolei um trampo no horário da tarde. Me tornei um passador de cola em lixa, garantindo um grip seguro pra galera que consumia os produtos do John, na época em que ele abria o porta malas do Fiat 147 pra atender a clientela, tanto em São Caetano quanto na pista do Paço (e, posteriormente, na rua Florêncio de Abreu, quase na esquina do Colégio São Bento).
Assim, o combo da Dona Ângela passou a ser uma iguaria para os finais de semana, quando acordava cedo para aproveitar ao máximo o tempo na pista, tentando compensar de algum modo as horas perdidas durante a semana. Muita água da torneira, rodadas divertidas e refrescantes proporcionadas pelo finado Tio do Gelinho e, o grand finale, quando o sol começava a dar adeus: com as pernas moídas, congregávamos na lanchonete de tijolos marrons para descansar, trocar ideia, comer bolo de chocolate e tomar Mamy de saquinho.
Se havia vida melhor, eu não sabia.
No fim das contas, não é o meu paladar que mudou ou a fórmula que foi modificada. Essas são questões menores. Foi a vida que mudou. A vida que tínhamos e não temos mais. A juventude que tínhamos e que já passou. Aquela atmosfera – cheia de sonhos e livre de preocupações – não pode mais ser reproduzida.
O bolo de chocolate e o Mamy de morango são memórias gastronômicas propiciadas pelo skate.
São lembranças com sabor de 360 flip.