Não Voltou

Dentro da redação de uma revista de Skate, uma expressão maldita, no sentido literal da expressão, é “não voltou”. A união dessas duas palavras carrega um incrível poder de disseminar desânimo e frustração. Perde-se uma pauta, uma boa foto, uma capa até. Estou certo de que perdemos alguns ídolos por conta do quase. Skatistas que chegaram bem perto, mas que num momento crucial de suas vidas não voltaram.

Se para a mídia é extremamente negativo, na cabeça do skatista o “não voltou” não é menos desastroso. Voltar pra casa com o sabor amargo da falha é triste. Quem coloca a cabeça em paz no travesseiro com essas lembranças ruins?  O fracasso mental quase sempre é acompanhado pela destruição física de inúmeras tentativas em busca da conclusão da manobra. Que não veio. E que por mais confiança que se tenha na própria capacidade, sempre fica aquela possibilidade real de que nunca virá.

Cesar Rena não voltou. foto: Sidney Arakaki

É o trabalho de horas indo para o lixo. No skate, quanto mais se erra, mais distante o acerto vai ficando. A perna pesa. Não existe aquela coisa de aprender com o erro. Você só descobre a forma correta de fazer quando acerta. Quantas vezes aquele flip rodou, quantas vezes os pés buscaram o contato com a lixa… e nada aconteceu. Não houve o momento mágico, a combinação matemática, a sincronia perfeita. E o fotógrafo, que disparou mil vezes, é a testemunha que vive e participa do silêncio constrangedor, esperando que nasça um novo dia que apague as não realizações de hoje. Nesse momento, a engrenagem emperra: vendem-se menos tênis, menos shapes. O não voltou é a desgraça do Skate, o ponto final, o beco sem saída.

Sei que muita gente pode, até com certa razão, considerar essa visão simplista demais, resumindo algo tão grande quanto o Skate numa mísera conclusão de manobra. Afinal, existe toda a indústria, o comércio, o caráter de inclusão social, as roupas, a música e a arte, festas, o lifestyle. Uma quantidade crescente de simpatizantes, pessoas que curtem, vivem e consomem o skate,  mesmo sem jamais ter andado em um. A alegria da criança que enxerga como um simples brinquedo e desce a ladeira sentada, com um sorriso no rosto. Mas é um fato. O que faz o público pular na arquibancada, o que derruba da cadeira o telespectador, faz o amigo gritar de felicidade e convence o empresário assinar o cheque é a volta da manobra. E esta é a razão que mantém o skatista no topo, sendo o componente fundamental do Skate. Depende dele, e apenas dele, para que todo o resto aconteça.

(publicado na CemporcentoSKATE 151)