Muita gente da minha geração fez o caminho “primeiro bicicleta, depois skate.” Em meados dos anos 80, o BMX (chamado bicicross na época) fascinava muitos moleques, e eu estava entre eles.
Tinha um Caloi Extra Light, que era o modelo nacional que chegava mais próximo das bicicletas gringas. O quadro era de aço carbono (pouco competitivo perto dos de cromo molibdênio usado nas importadas) mas muitos dos demais componentes eram de alumínio, o que dava uma boa aliviada no peso do conjunto. Era com ela que ia pegando a manha de dividir as curvas nas cotoveladas, usar os joelhos como tração e suspensão e olhar o mais feio possível pros adversários antes da queda do “gate”, o portãozinho que autorizava a largada.
O quadro da Caloi, de tanto absorver impactos, um dia se partiu. A marca ofereceu um novo, gratuito, mas qual não foi a surpresa quando peguei a bicicleta de volta e, agora, ela tinha um modelo mais adequado ao freestyle. Não se fabricava mais o da Extra Light, e esse era mais robusto e a geometria não era a ideal pra andar rápido. Aí está a foto da bicicleta com o quadro pesadão, os demais componentes remanescentes e os adesivos da GT, que era o que dava pra ter da marca célebre de Huntington Beach, na California.
Já que uma bicicleta de BMX de ponta na época estava fora do orçamento, decidi virar um freestyler, fazer manobras em vez de correr. Aí a história começa a mudar, por causa das revistas, sempre elas, na minha vida.
Comprava, sempre que podia, a Freestylin’, uma publicação norte americana que trazia algumas poucas fotos de skate, e pequenas matérias. Coisas desse tipo:
De alguma forma, e por motivos desconhecidos, comecei achar aquilo mais legal do que pedalar. Rapidamente, a bicicleta foi pro canto, o skate veio, a Freestylin’ perdeu lugar pra Thrasher e o resto deu no que deu.
Muito tempo depois, já com outras preocupações, vendo revistas não mais apenas como entretenimento apenas mas sim como profissão, me atentei e vi que o expediente da Freestylin’ trazia os nomes de Spike Jonze e Andy Jenkins. Numa das páginas, ambos em ação:
Essa surpresa me levou a mandar um e-mail pro Andy, pedindo para me confirmar se realmente eram eles, já que a legenda das fotos era incerta. Solícito, me respondeu prontamente, confirmou e ainda me mandou uma foto da época.
Incrível que esses dois, que ajudaram a moldar o que o skate é hoje, estavam me influenciando sem que eu soubesse quem eles eram, sem que ninguém soubesse quem viriam a ser, e, eu mesmo, sem saber quem era, ou seria. Spike Jonze assinou vídeos da Girl e Chocolate nos anos 90, diversos clips de banda, migrou para o cinema e tornou-se uma referência criativa da área, seja em filmes autorais (Quero ser John Malkovich, Her, Onde Vivem os Monstros etc.) ou trabalhos marcantes de publicidade.
Já Andy Jenkins é ilustrador, escritor, diretor de arte e editor e seu trabalho (Art Dump, Monster Children, Bend Press, Lakai etc.) é tão vasto quanto belo. Se você fizer qualquer pesquisa, descobrirá que também é fã deles ou, no mínimo, admirador do que produziram, criaram ou se envolveram.
Enfim, lá estava eu, em 1987, gostando da revista que ambos faziam, sem saber de absolutamente nada do que estava acontecendo, tampouco do que viria a acontecer. Boas referências são fundamentais, ter sorte ajuda, mas informe-se. Leia, estude, descubra o que te atrai a atenção e tente descobrir os motivos. As coisas são muito mais interessantes do que parecem, pode acreditar.
E se o quadro da Extra Light não tivesse trincado?