Parte dos leitores da CemporcentoSKATE sabe que sou brasileiro, mas minha família é de origem armênia.
Em 2011, quando entrei na CemporcentoSKATE, apareceu uma oportunidade única de viajar e conhecer a Armênia, terra dos meus antepassados. Quando voltei, o Douglas Prieto (na época blogueiro e hoje editor-chefe) bateu um papo comigo sobre minha relação com a Armênia e o skate por lá. Falei de como era bastante ínfima a cena, quase sem nenhum skatista pelas ruas, sem lojas, sem lugares pra molecada andar. Algo compreensível em se tratando de um país do Cáucaso que passou mais de 70 anos na União Soviética. Falei também que a maior parte dos armênios (10 milhões) estavam espalhados pelo mundo devido ao Genocídio Armênio, assim como eu e minha família.
Enfim… Eu ando de skate há uns 25 anos e desde sempre me atentava aos nomes pra ver se tinha algum skatista armênio, mesmo que de origem apenas. A missão, à princípio, não pareceu difícil, pois a grande maioria dos sobrenomes armênios terminam com o sufixo “IAN”, assim como é o meu: PamboukdjIAN.
Mas eu nunca havia me deparado com algum skatista profissional de qualquer país, nem do Brasil (além dos meus amigos) e que tivesse origem armênia.
Depois que entrei na revista passei a me atentar mais aos skatistas de fora. Foi quando descobri o nome de Joe Tookmanian, skatista que anda (?) pra 5Boro. Tentei contato com o Joe pelas redes socias, mas nunca tive uma resposta. Certa vez até o Rafael Gomes, que era o brasileiro do time, sugeriu tentar fazer uma ponte, mas acabamos nem indo atrás. Depois disso acabei ficando com a ideia fixa de que era uma missão quase impossível encontrar um skatista profissional que tivesse raízes armênias.
Mas em julho deste ano, dando uma passada de olhos no feed do meu instagram, vi uma foto em que Rick Howard (um cara que marcou minha geração e de quem viu os Plan B’s [Virtual Reality e Questionable]) estava marcado. Nela, Howard (se você não conhece, vá pesquisar, por favor!) estava abraçado a um rapaz com o nome diferente, um tal de Vanik.
Na verdade Vanik não é um nome muito comum, mas eu sabia que podia ter origem armênia, pois “Van” (é o nome de um lago armênio e também de uma região armênia que hoje está na Turquia) e “ik” é o diminutivo pra nomes e alguns adjetivos no idioma armênio. Cliquei na marcação da foto e fui direcionado pro perfil @vh1er. Perfil fechado e sem o nome da pessoa. De toda forma, já tinha uma pista na mão.
Fiz uma busca e o primeiro termo que pesquisei no Google foi: “Vanik skate”. Como em um passe de mágica – e para minha total surpresa – os resultados foram fotos de skate, vídeo-partes e matérias de revistas sobre um tal de Vanik Hacobian, skatista de Boston (EUA). Ao ver o sufixo Ian no sobrenome, em poucos segundos, aquela busca de anos se concretizava. Sem dúvida era um skatista de renome com origens armênias.
Copiei o nome e o sobrenome e pesquisei novamente, mas desta vez, buscando resultados por imagens. Foi quando eu me dei conta de que o Vanik havia sido um skatista profissional relevante na cena entre as décadas de 1990 e 2000. Anúncios da Santa Cruz com ele pipocaram na tela do meu computador da redação (veja abaixo).

VERT IS DEAD.
Na sequência, mais surpresas: outra foto e vejo Vanik segurando um shape preto da Santa Cruz com seu nome, contendo em sua arte o mapa da armênia histórica (usurpada pela Turquia) e as cores da bandeira armênia (vermelho, azul e laranja), além da Águia e do Leão, animais presentes no Brasão da República Armênia (imagem destaque no começo do texto). Era seu pro model lançado no fim dos anos 90 e que homenageava a terra dos antepassados dele (e meus).
A essa altura eu estava atordoado com tudo que já tinha encontrado. Comecei a assistir as vídeo partes dele e ler algumas entrevistas em links de arquivos antigos da Thrasher e Transworld (obrigado impresso). Numa dessas entrevistas ele falava do orgulho de suas raizes armênias.
Tomei coragem e fui ao perfil dele e mandei uma DM. Passados poucos dias nenhuma resposta nem visualização da mensagem. Foi quando fui pro facebook procurar o perfil dele. Encontrei, mas novamente fechado. Mas uma das poucas informações do perfil me chamou muito a atenção. Estava escrito: Casado com Maria Gabriela Hacobian.
Sim, pensei a mesma coisa que você leitor: Ele é casado com uma brasileira. A essa altura eu já me transformara em um stalker profissional. Mandei uma mensagem em português no perfil da Maria Gabriela. Demorou apenas um dia para ela responder, em português também, e com toda a simpatia característica do brasileiro. Começamos a conversar, falei quem eu era, o que fazia e os motivos de procurá-la. Ela parecia estar mais feliz do que eu com a história. Além de tudo, uma outra coincidência foi que a Gabriela conhece a irmã do Xaparral, que ajudou ela e o Vanik numa viagem ao México. Mundo pequeno demais!
Após falarmos sobre várias coisas, ela revelou: Ele ficará muito feliz de te conhecer e estamos indo pro Brasil no final de agosto, passando alguns dias por São Paulo. Foi aí que comecei a me programar. Falei com o Prieto, que achou a história bem bacana e me incentivou a convidá-los a conhecer a redação.
Quando a data do encontro estava próxima, o Douglas me trouxe uma edição da Transworld Skateboarding, datada de 1995, na qual Vanik tem seu perfil apresentado. Na página ao lado, na mesma seção da revista, estava Chad Muska. Guardei a revista e esperei pelo dia.

Vanik na edição de fevereiro de 1995 da Revista Transworld
E ficou combinado que seria na sexta-feira, 31 de agosto. O Douglas faz aniversário nesse dia e tinha combinado um almoço em um restaurante com o pessoal da redação. Ele iria direto de sua casa. Eu fiquei de ir e voltar para encontrar o Vanik, mas num infortúnio acabaram “me esquecendo” na redação. Pois é! Depois do almoço, o Douglas acabou indo pra casa dele comemorar o dia com os amigos e infelizmente não tive a sorte de tê-lo ao meu lado no dia.
Após o almoço quase todos de volta (estavam os meninos do SBR – que dividem a sala (e não apenas) conosco -, além do diretor de arte, Gui Theodoro e o boss Allan Alves), confesso que eu estava um pouco nervoso e ansioso pelo encontro.
E assim continuei até que a Gabriela e o Vanik chegaram. Fui, abri a porta, cumprimentei eles com abraços e chamei pra subir pra redação. Logo de cara, assim que subimos pra sala, Vanik abriu uma sacola e me presenteou com um shape, justamente aquele com o mapa e as cores da Armênia. Eu nem esperava por algo assim. Um misto de sentimentos que voltam agora enquanto escrevo esse texto. Emoção, felicidade, agradecimento, admiração…
Foi uma tarde que jamais vou esquecer. Vanik autografou a edição da Transworld que o Douglas havia deixado aqui. Tiramos fotos e mais fotos, rimos… gravei um vídeo falando em armênio e que a Gabriela enviou para os parentes do Vanik em Boston (que depois me responderam). Depois de tudo fomos ao andar debaixo da casa, onde fica o estúdio do Ale Vianna, fundador da CemporcentoSKATE. Apresentei um ao outro e eles trocaram algumas ideiais até chegar ao nice to meet you.
Antes de partirem, deixamos combinado de nos encontrar no dia seguinte, sábado, desta vez com a companhia da Amanda, minha namorada. Marcamos um encontro em um dos lugares que a Gabriela queria levar o Vanik, o tradicional Mercado Municipal, mais conhecido como “Mercadão”.
O sábado chegou e o sol estava forte. Um dia bem quente. Nos encontramos por volta das 13h. Eu e Vanik, como bons skatistas que somos, estávamos de skate. Sentamos em um dos bares e comemos um lanche de pernil e alguns outros quitutes, tudo regado a uma cerveja bem gelada e uma ótima conversa. Vanik e Gabriela são um casal divertidíssimo!
No Mercadão vimos a famosa barraca do Juca, que apareceu na icônica novela “A Próxima Vítima”. Foi aí que contei da Dona Armênia pra eles, uma importante personagem da teledramaturgia brasileira, interpratada pela atriz de origem armênia Aracy Balabanian. Em “A Próxima Vítima”, Dona Armênia fazia a sua segunda aparição numa novela, depois do sucesso da personagem em “Rainha da Sucata”. Eles se divertiram com a história que não conheciam.
Depois de muito bate-papo, decidimos atravessar a ponte da Avenida do Estado para irmos até a pista do Parque Dom Pedro, bem próxima dali. Andamos por cerca de uma hora e meia debaixo de muito sol. Foi divertido estar junto com ele ali, andando de skate, que é o elo principal que nos conecta nessa história. Nem preciso dizer o quanto eu estava feliz. Mas o Vanik e a Gabriela não tinham o dia todo pra gastar com a gente, pois viajariam na manhã seguinte.
Decidimos ir embora e fomos até o centro de São Paulo, onde em algum ponto eles pegariam um taxi. Passamos pelo Mosteiro São Bento. Falei de uma das capas (ed. 83 – fev/2005) da CemporcentoSKATE com o Rodrigo TX pulando aquelas grades de switch ollie de prima.
Rumando pelo Vale do Anhangabaú, logo de cara trombamos o Chopa (Atilla), um dos maiores fotógrafos de skate do Brasil. Trocamos uma idéia, e nos despedimos continuando pelo Vale. Tentei explicar para eles um pouco da importância daqueles blocos para o skate brasileiro. Seguimos por baixo do Teatro Municipal, que estava com suas luzes acesas. Subimos e atravessamos o Viaduto Santa Ifigênia, de onde dava pra ver o Vale mais de cima. Ficamos ali contemplando e divagando sobre a cidade.
Por fim, descemos até a Avenida Nove de Julho, que já é caminho pra minha casa. Lá paramos para pedir um taxi para eles. Estávamos bem abaixo da gigantesca bandeira do Brasil que o Terminal Bandeira ostenta. Fizemos algumas selfies de casal… Já era começo da noite e o carro logo chegou. Nos abraçamos, agradecemos pela oportunidade e desejamos boa viagem (Já estou com saudades)!
De lá pra cá, ‘fuçando’ em nosso arquivo de revistas gringas, encontrei mais edições em que o Vanik aparece manobrando. Mais uma Transworld. Temos inclusive algumas edições da Slap Magazine, mas infelizmente não a que Vanik estampou a capa com um Backside Nosebluntslide em 1994.
A Gabriela vem mantendo contato comigo pelas redes sociais. Em uma dessas conversas (inclusive sobre política também), ela me contou que assistiram algumas cenas da Dona Armênia. Durante o papo aproveitei para me desculpar por ter demorado tanto a escrever algo pro meu blog sobre a experiência, mas prometi que o faria aqui no portal CemporcentoSKATE. Se não fosse por você, Gabriela, esse encontro não existiria. Obrigado!
Enfim… demorei vários meses para escrever, mas faço o mea culpa: não é fácil escrever e sintetizar algo tão marcante e legal para si próprio. Um texto gigante? Nem isso por vezes consegue suprir a história de uma daquelas experiências mais incríveis que você viveu e vai levar pro resto da vida. É um final feliz pra essa busca que eu tinha desde que me conheço por skatista.
Espero em breve poder encontrar o Vanik e a Gabriela novamente, seja aqui no Brasil ou em Boston, ou quem sabe na Armênia!
Confira algumas aparições de Vanik em vídeo, abaixo:
Pack Media – Santa Cruz Skateboards (1996)
Blackout – Boston
PM – EST4
Ammo The Next Round – Santa Cruz