Quando se anda de skate, existem alguns sonhos/objetivos que são comuns a praticamente todos os skatistas. Viajar para cidades fundamentais, conseguir patrocínio, filmar uma parte…a lista é longa, e pode incluir aí “ter uma marca”. Sim, muita gente, num determinado momento, começa imaginar logotipos, nomes, produtos, time…aquela vontade de fazer a coisa “do seu jeito”, mostrar ao mundo a sua visão das coisas. A coceira criativa ataca, e a sensação de que é possível motiva incontrolavelmente.

Só que outras coisas surgem no caminho dos que decidem empreender. E, acredite, elas são bem menos empolgantes do que postar seu logotipo no Instagram. São leis, tributos, fornecedores, prazos e…dinheiro. Sim, a necessidade de dinheiro pra fazer a marca acontecer. A exigência de pagar no prazo. A luta pra receber, se possível em dia. Quase tudo que não pdoe ser resolvido com criatividade vai tornar sua marca um problema. Tratar disso sem que o prazer de criar seja afetado é um dos desafios.

Conheço diversas pessoas próximas que foram além do sonho e, de fato, fizeram suas marcas. O Adonis, lá de Manaus, da Costume, usou algumas de suas colunas na CemporcentoSKATE pra contar alguns capítulos da sua aventura. Eu recomendo a leitura. Sandro Bertolucci, da Blaze Supply, lida com falsificações grosseiras de seus produtos, tendo que aturar a presença de seu logotipo em barraquinhas ao lado de Tommys, Off-Whites e Guccis. Sem me alongar, vou ficar nesses exemplos, assuntos que me surgiram durante o dia de hoje. Se voltar no tempo uma semana, poderia citar mais dez donos de marcas com suas diferentes agruras. De.Part,Paviment, Beth, Wayward/Oppositional, Class, Smog, Mycrocosmos, Biscoito…muitos são os “small business” que lutam pra estabilizar-se e fazer parte do mercado de forma sólida e, se possível, duradoura.

IKIRU

Thiago Queiroz é amigo meu de longa data e, depois de trabalhar em algumas empresas, agora é mais um que tem uma marca pra chamar de sua: Ikiru. De Fortaleza (CE), ele matou algumas das minhas curiosidades sobre criar uma marca:

Prieto: O lance é que a Ikiru não é exatamente uma marca de skate né…

Thiago: Na verdade é pra ser uma marca que facilita o dia a dia da pessoa, independente do estilo dela. Tenho me organizado melhor pra lançar as cápsulas com uma frequência! Mas ao mesmo tempo ela tem muito do skate por minha vida, que sou do skate.

Prieto: Mas também…o que é uma “marca de skate” hoje em dia né?

Thiago: Pois é… mirando em uma Supreme essa frase fica muito viva. Ao mesmo tempo que os caras lançam vídeos genuínos eles desfilam com Louis Vuitton em Paris na semana de moda

Já que isso virou entrevista…apresente-se

Thiago de Souza Queiroz, nasci em São Paulo capital sou formado em Design Gráfico. Meu primeiro trabalho foi em uma agência de publicidade especializada em anúncios de comércio chamada Tudo in Casa. Saindo de lá fui para o meu primeiro emprego em confecção, fazia fichas técnicas, arte e arte final na SSRio. Depois fui pra GSM: lá passei pela Billabong, onde era focado em desenvolver a coleção de malha. Depois migrei para Element, com as mesmas tarefas, e depois de seis meses o time mudou e acabei fazendo toda a parte de confecção da Element (todas as categorias). Por último estava na Riachuelo, responsável pelo jeans masculino. Meu primeiro contato com skate foi em 1998, mas em 2000 foi quando realmente comecei a andar mesmo.

Como nasce a Ikiru?

Nasce em um momento delicado da minha vida, trabalhando em uma empresa e tendo crises graves de depressão. Ficou na minha cabeça retomar um sonho de moleque que era fazer uma marca e precisava de um nome pra isso. pesquisei bastante e não encontrava nada, até que um dia eu acordei com a palavra “viver” e fui transferir ela para o japonês, pois a marca tem uma influência na cultura deles e então surgiu a palavra ikiru. Comecei a trabalhar os produtos na hora que veio o nome…registro da marca e afins

 

E a produção? É própria ou tem um fornecedor?

A produção é feita em pequena escala, hoje para cada linha de produto tem um fornecedor, quase todos concentrados em Fortaleza.

Como é empreender? Aprender a fazer contas, tributos, burocracia…

Empreender é muito dinâmico, algo que sempre fui atrás nos meus empregos anteriores. Contas, tributos e toda a burocracia por trás de um produto. Venho aprendendo na raça, pedindo ajuda a pessoas que trabalham com isso, pesquisando, indo em orgãos do governo, perguntando como se faz e por aí vai.

E a parte boa? Criar, fazer as coisas do seu jeito…

Ah, isso pra mim é uma realização! Transformar um desenho técnico em produto, utilizar as cores e a matéria prima que desejo é tipo acertar uma manobra nova que estava tentando faz tempo. Mas tenho que me policiar, pois as ideias não param de vir e não consigo colocá-las todas em prática.

De onde você tirar referências?

A minha principal referência vem do skate, isso não posso negar. Mesmo a marca não sendo exatamente para skate, ela flerta muito com ele, isso vai ficar mais claro quando a coleção inteira estiver pronta. Mas pesquiso muito em sites, vejo as pessoas na rua. isso é o que eu mais gosto, muitas vezes ia pra algum lugar de ônibus ou metrô só pra ver como o pessoal está se vestindo.

Como é o processo criativo?

Meu processo criativo não tem muita regra. Basicamente penso em algum tema, tiro uma cartela de cor pra trabalhar em meus produtos e partir disso, começo a desenhar a coleção. Depois de desenhada eu vejo a possibilidade de colocá-la em prática da forma que pensei. Muitas vezes rolam ajustes de matéria prima, cor, acabamento e afins… mas eu sempre coloco o produto como a ideia.

Você acha que a moda tem uma dívida com o skate?

Eu sempre acreditei que moda vai além de roupas, desfiles e o mundo fashion. E claro que o skate sempre foi algo que gerou uma tendência de comportamento e isso engloba roupas, acessórios e afins. E quando marcas de alta costura trazem esse comportamento para um desfile na semana de moda em Paris acho que não é uma dívida e nem uma apropriação, eu simplesmente acho que é a tal tendência de mercado. O consumidor dessas marcas está ficando cada vez mais jovem e busca inspiração na arte, música, arquitetura. Causou um estreitamento entre os mundos. Mas claro, isso só mostra o quanto a cultura urbana está sendo aceita por uma classe de pessoas que não a conheciam ou talvez não aceitava mesmo. Acho que o skate como  cultura é tão diverso que o cara pode andar da forma e onde achar melhor.