QUANDO O ATIVISMO É VIVER

Bandeira Pan-Africana

Eu sou do contra, vou postar uma foto de cor diferente ao invés do fundo preto, tá bom meu povo? Pra ser engraçadinho.

Na rua da minha casa não tem saneamento básico. Vou deixar mais explícito o salve: onde eu moro não tem esgoto, a bosta e mijo que eu e minha família cagamos fica numa fossa aqui na garagem por seis, oito, dez meses até a prefeitura vir retirar. Muitas vezes já pagamos por esse serviço.

Não existe jeito certo de protestar. Existe sim, a sua verdade, e o mais importante para você. Depois o que você vai soltar pro mundão como ideia de luta.

Pode ser até apenas escrever duas palavras: FORA B_____ (a partir de hoje me recuso a falar em voz alta no meio das pessoas ou escrever o nome desse “caba ruim”. E os “guardas belos” também estão juntos no meio dessa minha ferrenha crítica.

Pra mim, protestar é igual o skate. Na real em todas as decisões da minha vida o skate está junto. Ele pode não ser o foco da questão, não cabe aqui nesse protesto contra o racismo. Mas o skate sempre será um mote de luta, escondido e camuflado dentro das minhas palavras de luta racial.

Se você que chegou até aqui, não entendeu porra nenhuma do que eu estou falando e está se perguntando: “damn, que maluco otário, quem ele pensa que é? E ainda tá misturando skate, dentro de algo tão importante como o racismo, tem nada a ver”.

Vou terminar agora de passar a caminhada de tudo o que está acontecendo até agora na minha visão de rua. Lá vem um choquinho de leve que vocês skatistas precisam tomar por que estão balão pesados e tem que acordar. O SKATE sempre foi político e você não pode nunca ficar em cima do muro, nunca! Desce de cima desse muro, que essa porra não é uma 45º, de onde você está olhando toda a skatepark cheia de problemas e não quer descer até o chão da pista e ajudar os outros skatistas, que as vezes são seus próprios amigos de sessão. Os caras estão lá embaixo, arrumando o palquinho que tem problemas, martelando uns pregos na cantoneira que está quase caindo, precisam da sua ajuda. O ferro é muito pesado pra só dois ou três dos seus amigos solucionarem o contratempo. Ou pode ser que na pista tenha uma galera desconhecida, que não são locais. Eles chegaram e estão andando de skate, precisam da sua ajuda, colar junto ou ensinar algo. A sessão ficaria bem mais forte e unida se você descesse dessa 45º. Mas não quer descer nem fodendo.

É isso família. Vou reforçar a frase de efeito. Não fique em cima do muro sem fazer nada meu truta, não precisa postar um texto ou compartilhar uma foto no Instagram, Twitter, Facebook, etc… isso não quer dizer porra nenhuma, o importante é se manifestar de algum jeito, debater suas ideias na roda de amigos, na sagrada conversa pós sessão, em casa com nossa família, com pessoas de fora do nosso universo, pensando consigo mesmo, lendo e fazendo suas próprias pesquisas sobre tudo o que estamos passando. Tenho certeza que vai encontrar algum conteúdo e satisfazer as suas necessidades de informação para ajudar a si mesmo e entender melhor a nossa luta, sendo você preto ou não. Dessa forma, se consegue fazer uma reflexão de como uma sociedade podre, machista, misógina, racista e preconceituosa possa existir até hoje.

Isso é bem mais importante do que ficarmos aqui na internet no blá blá blá. Eu mesmo sempre estou no debate com minha banca de skate, outros amigos, até bem mais que eu, também gostam de colocar o tema política e racismo dentro de nossas conversas sobre skate. Boto fé que muitos skatistas igualmente são grandes questionadores e debatem essas ideias nas sessões de skate pelas esquinas e calçadas espalhadas por esse Brasilzão afora. O foco é o AO VIVO, estar presente e não aqui nessa BOLHA. Mas as redes sociais podem levar nossas ideias para alguém que possa ter uma visão semelhante à nossa, ajudar essa pessoa e consequentemente me ajudar junto. Se conseguirmos isso, aí sim o Zuckerberg e os pilantras do Vale do Silício fizeram algo de humano e digno de ser elogiado por mim na luta sobre igualdade.

Eu já li que os donos das maiores empresas de tecnologia do mundo que são os criadores de tudo que usamos de rede social: música, plataformas de streaming, vídeos e muitas outras. São os presidentes dessas empresas, lá no Vale do Silício, um lugar na Califórnia onde estão os maiores milionários. Nas escolas dos filhos deles já tem uma norma que diz que crianças no jardim de infância não podem usar nada de tecnologia dentro de sala de aula. Olha as ideias. Os cabas já sabem que o consumo de muita informação desde cedo na criação de um filho não é bom para o seu desenvolvimento. Mas esses mesmos caras deixam o restante do mundo usar a vontade, o pai e mãe de família pobre, preto pode sim colocar um celular na mão do seu filho. Os deles não. Tá vendo, é tudo política.

Se quiser, pode me perguntar no direct. Eu sou bibliotecário formado, um dos nossos deveres como um profissional da informação é oferecer o serviço de referência, que é satisfazer as necessidades de informação de determinado grupo de usuários em uma unidade de informação, ou seja, tirar as dúvidas de quem chega na biblioteca sem saber como achar um livro para o seu problema na escola ou dúvida sobre algo. Pode pá, não sabe uma fonte ou site confiável pra se informar mais sobre os temas de luta? Podemos juntos achar alguma com um trabalho sério para lhe ajudar a sair de cima do muro. Pode ser um filme, documentário, livro, pesquisa acadêmica, artigo, texto, desenho… tem muita coisa. É só procurar, me dá um salve.

Fico por aqui e deixo claro que não sou o entendido de nada, não participo de nenhuma militância, só ando de skate. Mas não fico de chapéu atolado para esse monte de patifaria que nós vemos todos os dias, já sou black de periferia, meu ativismo é monstro por estar vivo, ter pai e mãe juntos, conseguir ter feito faculdade pelo Prouni (por causa do PT e Haddad, daquele partido de esquerda, tá bom?) e conseguir terminar, depois conseguir um trampo dahora também por causa do PT. Sabe quem abriu o Instituto Federal onde trabalho? Sem ele eu teria tomado outro rumo na vida e não teria me transformado socialmente. Adivinhou? Pois então, é ele mesmo, obrigado Lula!

Vou parafrasear dois amigos que não vejo todos os dias por morarem longe de mim, mas que são skatistas lutadores em prol de um Brasil mais justo e igualitário.

Um deles é o Edu Pessanha (@edupessanha) da Soma Skateshop (@somaskatearte). Já li um comentário dele no Facebook que dizia, “dá pra usar as frases das músicas do Racionais para todas as situações da vida”. Então fecho com essa rajada verbal do Mano Brown: “ninguém é mais que ninguém, absolutamente. Aqui quem fala é mais um sobrevivente”. E o outro é o Filipe Maia (@flipmaia) que é jornalista do site Trocando Manobras (@trocandomanobras) onde ele mantém o forte discurso de que “skate é só um pretexto”.

Continuamos na luta, cada um do seu jeito. Só vamos. Só não me pede pra postar foto com fundo preto no Instagram.

To fora!

BiblioteKarlos
03/06/2020
Texto começado
umas 00:15h
Depois dormi umas 4 horas
Acordei e continuei escrevendo
Término da reflexão
07:33h