Criada em 2006, a revista piauí (sim, a grafia traz o p minúsculo) é um oásis de boas ideias e bons textos. A publicação surgiu num momento em que a revolução digital tornava a conversa cada vez mais rasa e com interlocutores cada vez mais despreparados. Quase quinze anos depois, o que era só raso virou as profundezas de um subsolo sujo e escuro e aqueles com um parafuso a menos assumiram cargos e controle. A imprensa escrita vivia (vive?) um processo que a tornou cada vez mais frágil. Por outro lado, o que sobrevive parece cada dia mais relevante.
Mas esse não é um texto de lamentos ou mais um de análise do que o jornalismo e a mídia se tornaram. O fato é que sou leitor e admirador da piauí desde sempre, e pela primeira vez o skate foi tema de um ensaio em suas páginas, na edição de setembro.
Sempre que vejo skate em mídia não especializada, me preparo para um desgosto. Com o passar do tempo, a preocupação em viver mais e melhor e até a menor paciência, passei a simplesmente ignorar matérias e reportagens feitas por quem não sabe do que está falando e nem procura saber. Na maioria dos casos, skatistas não são público pra esse conteúdo. É uma questão de adequação, ou de não adequação.
Mas, com a piauí, abri a exceção e comprei a revista, hábito saudoso que se juntou a outra coisa que não fazia desde sei lá quando: viajar de avião. Foi muito boa a sensação de passar numa livraria de aeroporto, pegar uma revista nova e embarcar com ela. A edição é a 180, número sugestivo pra falar de skate.
Como uma piauí não cabe na poltrona de um 737-800, deixei pra ler em casa.
A matéria, como esperava, não decepcionou. Muito pelo contrário, ela é brilhante, um texto daqueles que você lê querendo ter escrito, assinado por Damian Platt. Nascido em Nairobi (Quênia), Platt cresceu em Londres e é autor do livro Nothing By Accident: Brazil on the Edge (Nada por Acaso), que discorre sobre a descontrolada violência no Rio de Janeiro. Durante o período que viveu no Brasil (2005 a 2019), trabalhou com o Afroreggae e esteve envolvido com o skate no Complexo da Maré (vídeo no fim da nota). A tradução do texto para o português, tão importante nesses casos que envolvem as especificidades do skate, foi muito bem feita por Sergio Tellaroli.
Damian fala de skate com propriedade, valoriza os aspectos que fazem dele algo socialmente relevante, sem reduzi-lo a algo que “virou esporte” como se isso fosse sinal de evolução ou uma conquista. A única foto da matéria explica de onde vem tanto conhecimento e entendimento do que é skate:

Damian Platt, foto de 1987 em Oxfordshire (página 65, piauí 180)
Eu até selecionei trechos pra republicar aqui, mas desisti de fazê-lo pois, melhor que fosse o resumo, ele empobreceria o raciocínio e o relato de Platt, que diz que “andar de skate é uma coisa simples e complexa, inútil e transformadora”. Recomendo sua leitura da íntegra aqui.
Quando for pro link, aproveite e desfrute de outros textos lá publicados. O the Piauí Herald é sempre imperdível. Feita “pra quem tem um parafuso a mais”, a piauí foi fundada por João Moreira Salles e hoje é comandada por André Petry e publicada pela editora Alvinegra. Segue divertida e informativa, leve e polêmica, carregando a bandeira de um jornalismo que teima em existir e resistir. Felizmente.

Edições recentes da piauí

Nothing by Accident, livro de Damian Platt
Documentário sobre ao skatepark da Favela da Maré: