SKATE (S)LOW PERFORMANCE

Hoje, abro espaço aqui no meu blog para um grande amigo que trouxe uma reflexão pertinente sobre o skate ba atualidade. Leia abaixo:

Texto e ilustração por Adams Selymes

Se tem uma coisa que me lembro bem, foi quando disse: “não quero mais praticar esportes, só vou andar de skate”. Eu era adolescente, e já não aguentava mais o tempo todo alguém chiando na minha orelha para chutar a bola de um jeito, ou arremessar de outro, nadar com os braços assim ou assado. Eu me cansava só de pensar que havia regra pra tudo nessa vida.

Eu estava com apenas 15 anos de idade, época da escolinha de esportes, mas já tinha uma certa atitude e opinião sobre as coisas em minha volta, sentia uma certa relutância pela falta de liberdade de expressão. Pois era justamente o momento que mais gostava (me expressando através de uma atividade física) havia alguém para ditar como fazer tudo aquilo de outra forma, eu não conseguia compreender bem aquele tipo de coaching na época.

Claro, acredito sim que tudo na vida tenha um fundamento, um passo a passo, um embasamento, ou quem sabe até um roteiro para seguir se quiser ser um expert no assunto. Engraçado, mas pelo menos para mim, a todo momento alguém ditando regras, não remetia a nada com a sensação de liberdade e bem- estar que o skate me proporcionava.

Sentir o vento na cara, dar aquele remadão descendo a ladeira, cruzar as ruas por entre os carros a milhão e ao chegar no pico colocar a criatividade a mil vendo bordas, escadas, gap e corrimão ainda me inspiram, é estranho, mas para muitos que não andam de skate, tudo isso não passa de um louco descendo a ladeira e pirando na pracinha no bairro.

Adams manobrando em Salzburg (Áustria) – foto: Thi Barrela

O mais interessante disso tudo é que: só hoje sei o quanto essa escolha foi valiosa pra mim, mas na época não fazia ideia de como esse olhar diferente sobre as coisas em cima do carrinho ia mudar meu conceito sobre tudo na vida.

É como um jogo, na medida que você avança, o nível e as dificuldades aumentam, mas desta vez não há nenhum técnico te cobrando performance. Falar a real, ainda acho esquisito quando chego em alguma pista e dou de cara com um pai cobrando ao máximo do filho (a) um melhor desempenho nas manobras. Me pergunto, o que será que passa na cabeça desse cara? Tá treinando o filho para ser o novo robozinho da pista e sair postando ou quer apenas incentivá-lo a se divertir? Talvez este tipo de incentivo não seja muito apropriado pra ele (a).

Vejamos pelo lado tecnológico da coisa, parece que o skate um dia já foi divertido. Hoje ele é performático, profissional e até mesmo olímpico, ou seja, o skate está cada vez mais instagramável. E incrivelmente a cada minuto que passa, isso já não se torna tão legal como era antes. Pois a manobra de hoje não estará no stories de amanhã, ou quem sabe ainda ela ganha um destaque na quinta-feira, quando você postar um #TBT. Se no seu feed é chato ver algo repetido a todo momento, imagine ver algo assim repetitivo em toda sessão.

Estranho é notar que quando você dá de cara com uma pessoa mais velha tentando se jogar numas manobras, você automaticamente pensa: o cara não evoluiu e só sabe mandar essas tricks? Ou será que ele só quer se divertir na sessão como eu? Só sei que toda essa tecnologia fez a gente prestar mais atenção no rolê dos outros do que em nós mesmos, entende? Vamos para um exemplo clássico pra simplificar tudo isso: você cola no pico, começa aquecendo, dando suas tricks, quando esquentou o suficiente saca o celular do bolso pra filmar ou pede pra alguém, afinal você tem que postar algo novo pra ganhar mais likes e views, certo?

Errado!!

Na minha época a primeira coisa que você fazia mesmo antes de colocar o skate no chão era: estudar o local, analisar o nível de skate da galera, entender se eles estavam fazendo uma linha ou usando só um lado da borda, era ainda preciso entender onde eu ia remar pra não atrapalhar o fluxo, pra só daí cumprimentar os locais, um a um, entrelaçando os dedos (se você é da época sabe o que estou falando) e assim finalmente colocar o carrinho no chão. Era preciso fazer uma análise geral de todo o pico, conversando com os locais na volta de uma trick e outra esperando a sua vez, antes de ir para o obstáculo, pois não era precisa buscar um tutorial na internet pra saber como se portar no pico, você aprendia ali mesmo, através da vivência.

Aliás, internet nem existia na época, para chamar os amigos pra sessão passava na casa de um ou outro, gritando o nome no portão: – “Ô tia! Tudo bem? Fulano taí?”. Isso quando não entrava para comer um lanche vendo 411 antes da sessão pra dar aquele go for it. Ah e claro depois da sessão ainda tinha uma boa resenha movida a pão com mortadela e tubaína. Não é como hoje que cada um pós- sessão, entra na sua bolha particular pra checar whatsapp ou realizar uma nova postagem.

Caramba, tá tudo muito diferente ou só eu fiquei pra trás?

Vejo que o individualismo está cada vez mais presente e nos distanciando da verdadeira essência do skate. Isso só nos distancia cada vez mais de propagar ideias, disseminar conhecimento, fazer novos amigos. Interessante notar que por mais que as redes sociais disseminem isso como essência (fazer network), estamos cada vez mais isolados em nosso próprio mundinho, massageando o próprio ego a todo momento com postagens, comparando a nossa vida com a dos outros e em sedento em busca de likes.

Me lembro de várias skate trips. Dormia na casa de pessoas que fazia amizade ali mesmo durante a sessão, sem nunca sequer ter visto o cara antes, isso quando não viajava pra algum campeonato, na roubada, sem lugar pra ficar, dormíamos a noite todos juntos no papelão, só para estar presente no dia seguinte e dar uma moral para os que iam competir logo pela manhã.

Muita coisa mudou hoje, vou pegar outro exemplo, já parou pra pensar no que vestimos? Pergunte se: Por que é mais fácil ver o que os caras estão usando hoje nas mídias sociais e pagar uma nota no artigo, do que dar uma conferida na esquina e ver o que há de novo na skateshop de sua cidade? Isso mesmo, uma skateshop pode ter muito mais para oferecer, comprar algo para fortalecer a cena local é superimportante, colaborar então comprando um pro model de um atleta que ganha muitas vezes uma merreca por cada shape vendido já é uma baita ajuda pra cena. Mas não, é muito mais fácil entrar no shopping pegar aquelas roupas da vitrine e sair de lá um skatista completo. É muito estranho notar que os papéis se inverteram hoje, com as skate shops online o skate vai até você e não mais você até ele, em busca de conhecimento, de uma nova experiência.

Sim é cômodo, mas cada vez mais impessoal, você é apenas um cliente atrás da tela do computador e não aquele cara que ia pra lojinha trocar uma ideia, depois ia pra sessão, se vestia de uma forma diferente, que curtia aquele som e tinha aquela seleção única de manobras. Esse tipo de gente está desaparecendo cada vez mais dos picos. É raro ter amigos na sessão, ainda mais quando você é novo no pico, ninguém troca ideia logo de cara.

Daí você pensa, por que a internet estragou toda essa essência, quando na realidade poderia ajudar? Será mesmo que estragou? Ou será que a gente mesmo que se sabota e não sabe fazer o bom uso dela? Afinal a era do conhecimento já chegou faz tempo, informação na internet é o que mais tem, agora saber filtrar, aparentemente é a coisa mais difícil do mundo, são poucos os que fazem.
Através dos vídeos de skate e fotos de revistas, eu conhecia diversos skatistas profissionais, eu gastava horas vendo VHS, gostava de ir até as músicas, os créditos, só para ver quem estava envolvido em cada detalhe da filmagem e na produção dos vídeos. Gostava também de sentir aquele cheirinho de revista, o folhear nas mãos, era muito bom isso, tudo era novo e compartilhado para repassar o conhecimento e assim quem sabe ter uma experiência para debater depois com os camaradas. Tenho acompanhado essa evolução dos profissionais no skate desde os 90, só que quando os conheço pessoalmente são poucos os que te dão uma moral pra uma simples conversa. Infelizmente dá pra contar nos dedos os quais você consegue realmente trocar uma ideia de verdade, com admiração e respeito pela história que ele criou. Conseguir contar das suas também, das influências, das vídeo part coisa parece que não é mais interessante. É triste, mas a maioria deles acham que você tem interesse em algo, ou que simplesmente o vê como um baba-ovo e que agora eles são obrigados a suportar o “fã” por serem conhecidos no game.

Note que admiração e respeito não são os mesmos que likes e followers, esse mundo interativo das sociais parece ser mais convidativo que o mundo real.

No fim das contas, isso já era bem provável de acontecer um dia, o clima competitivo do skate colaborou muito para tudo isso. Os atletas de hoje alcançaram um nível altíssimo de skate, algo que jamais foi visto antes. Grandes marcas, mesmo as que que nunca foram do skate, veem uma grande oportunidade de crescer patrocinando skatistas, com isso muitos conseguem até mesmo sustentar a família através do skate, claro isso não é ruim, pois é incrível como o avanço do skate durante os anos colaborou para isso também. Só que ainda assim os conflitos de interesses são enormes, grandes empresas querendo tomar uma parte muito maior nessa fatia do bolo, montando equipes e criando campeonatos com premiações milionárias, fazendo daquilo que começou como um lifestyle uma atividade altamente lucrativa, só que somente para poucos. O bom é que hoje, skatistas de bairro podem facilmente estar no mainstream de amanhã, afinal se o cara lutou pra isso e é o que deseja, ok, faça por merecer e vai ser feliz, corra atrás de seus sonhos porque só você é responsável por ele.

Só não se esqueça que por trás de toda essa high performance a longo prazo, há também um lado obscuro da coisa, e isso pode querer te cobrar mais tarde: rivalidade, individualismo, ambição demasiada, inveja e ganância por status e poder, entre vários outros quesitos que particularmente não me agradam, e se distanciam cada vez mais da essência que é o skate de verdade.

Eu gostava de campeonatos. Era onde eu podia encontrar meus amigos, fazer uma sessão junto durante o aquecimento, ouvir uma música que gostava durante a sessão, admirar os diversos estilos e por aí vai. Eu dava risada pra caramba e o mais legal: eu podia competir no meu estilo, ouvindo meu som favorito e sem a preocupação de estar sendo julgado por isso, afinal o que eu notava ali era respeito mútuo e não aquela pressão de competição. Em 90% das vezes que competi, estava ali puramente para me divertir e não ganhar de verdade.

Foram poucos os campeonatos que disputei, só que o fundamento competitivo nunca me agradou, não gostava da ideia de que você era obrigado a mostrar toda sua habilidade em cima do carrinho em apenas 1 minuto e ainda ser julgado por isso. Pessoalmente acho que o skate nunca foi exibição e sim forma de expressão.

Aliás foi exatamente assim que surgiram os primeiros skatistas, entre os anos de 1960 e 1970 em dias flat de onda na Califórnia, se expressando nas ruas ou piscinas, tudo na surdina. Não era o intuito fazer com o que isso se tornasse público, somente 10 anos depois, empresários viram a oportunidade de gerar lucros tornando o skate um esporte de exibição, surgindo as primeiras marcas, enquanto por aqui em terras tupiniquins quando o skate se tornou popular nas ruas, por volta de 1988 no governo Jânio Quadros, o mesmo se tornou sinônimo de vagabundagem, chegou a ser proibido andar de skate. Da mesma forma o surf, que foi discriminado por muitos anos como prática de desocupado e maconheiro, só que hoje temos os 5 melhores do mundo sendo encabeçados por Brasileiros no ranking mundial e em 2016, por incrível que pareça, o comitê olímpico transformou ambos, Surf e Skate em modalidade olímpica.

Como deu pra notar, estar exposto a esse mainstream a todo momento te cobra uma alta performance em todos os quesitos, mas nem por isso o skate (S) Low Performance se resume a um baixo rendimento! É uma atividade mais sadia, e prazerosa, onde o que se busca é simplesmente a diversão, pois não te exige uma cobrança contínua, afinal a vida já é muito dura contigo. Se você já passou dos 18 anos, trabalha, tem filhos e uma casa pra sustentar, vai saber o que estou dizendo. A água bate na bunda meu irmão, mais cedo ou mais tarde a vida vai te cobrar com mais responsabilidades, saiba disso, sendo você skatista ou não.

Então vá com calma, não é preciso complicar, a (S) Low Performance não é uma modalidade, ela sempre existiu, a gente é que não soube aplicar bem durante os anos. Veja bem, temos essa mania de perfeição em tudo que fazemos na vida, é normal do ser humano procurar problemas, se não há, os inventamos, somos capazes disso e incrivelmente capazes também de nos vitimizar, criando desculpas pra qualquer coisa nessa vida, só para procrastinar. Somos tão críticos que podemos até nos transformar em nossos piores inimigos, principalmente com essa total autossabotagem para tudo na vida. Aquela desculpa de não ir pra sessão é apenas uma delas.

Portanto, ande skate e sem preocupação! Vá pra sessão, nem que seja pra mandar um “shovinho”, mas simplesmente vá! Não ande de skate pensando no que os outros vão achar de você, mas ande de skate pensando nas infinitas possibilidades que o skate pode te proporcionar a cada sessão! Lembre se, o skate não é exibição é uma forma de expressão.
Sou muito grato ao Skate, tudo que sei hoje sobre comportamento e socialização com amigos, foi graças ao ele, que me trouxe esse banho de conhecimento de várias outras vertentes como arte, música e cultura, moda e mil outras coisas que sigo aprendendo através deste lifestyle, dia após dia. Por fim, respire fundo a cada manobra, mantenha o foco e atenção agradecendo a cada momento vivido em cima do carrinho, este respeito consigo e com o próximo a cada sessão te renovará fazendo você uma pessoa mais feliz e logo você vai notar como é bom andar de skate de verdade. Se caiu e não deu certo, não tem problema, levante-se e tente de novo, diferente de outras atividades esportivas, o skate te dá esse desafio pessoal, te traz possibilidades infinitas de dar o melhor de você em cada manobra, não há pressão, defina um caminho que deseja trilhar e seja feliz com suas escolhas: seja você atleta ou aquele que só quer encontrar os amigos pra uma sessão (S) Low Performance.

 

Sobre o autor:

Adams Selymes já vendeu açaí na praia, foi professor de Inglês, petroleiro e dono de food truck. Hoje busca em seu tempo livre praticar yoga, fazer comidinhas natureba e conciliar a vida de adulto com andar de skate num país onde neva metade do ano.