TRILHA SONORA: STREETS ON FIRE

Streets on Fire, da Santa Cruz, não é “apenas” um vídeo de skate. É um filme de skate. O enredo: Jason Jessee – um dos principais skaters dos anos 1980 – vai para a cadeia, acusado de andar de skate “ilegalmente”. Sob o olhar atento de um carcereiro bonachão interpretado por Skip Engblom (dono da Zephyr e responsável por montar o time dos Z-Boys), Jessee mata o tempo lendo revistas de skate, sonhando com sessões e recebendo algumas visitas. Julgado e condenado por um juiz alcoólatra (papel que coube a Rich Novak, um dos fundadores da Santa Cruz e Independent), o skatista recebe pena de morte.

Lançado em 1989, Streets on Fire tornou-se rapidamente um clássico. A equipe Santa Cruz era uma das melhores da época, com nomes como o já citado Jason Jessee, além de Steve Alba, Natas Kaupas, Jeff Kendall, Claus Grabke, Jeff Grosso e Corey O’Brien, dentre outros. Com direção de Howard Dittrich e arte da capa por Jim Philips, SOF marcou toda uma geração, e até hoje é lembrado pela cena do rockslide no Santo Antonio de uma caminhonete, cortesia do lendário Natas. Outro diferencial do filme é sua trilha sonora, que você conhece com mais detalhes agora.

SST BOMBANDO

A trilha de SOF é quase um catálogo da gravadora SST Records. Com exceção de quatro artistas (Pailhead, Screaming Lord Salba, Paul Delph e Jerry Webber), todos os demais eram do cast do selo criado pelo guitarrista do Black Flag, o polêmico Greg Ginn.

Logo na abertura, Sonic Youth com “White Cross”, a faixa 10 do disco Sister, de 1987. A sessão de vert de Jason Jessee, filmada em Fallbrook, conta com três músicas: a primeira é “Paranoid Chant”, do Minutemen, que faz parte do debut EP da banda, de 1980; a segunda é apenas um pequeno trecho de “Scream”, do Black Flag; e a terceira é “Surf and Destroy”, da banda californiana Blast (a grafia também aparecia como Bl’ast!).

Natas Kaupas com fiREHOSE. Uma das partes de vídeo mais influentes da história transformou “Brave Captain”, faixa que abre o álbum Ragin’, Full-On (1986), num verdadeiro hino do Skate. Para a sessão seguinte, num ditch gigantesco (UVAS), dois temas instrumentais: um do falecido músico Paul Delph e outro do trio Gone, criado por Greg Ginn em 1985. Apesar de ter uma trajetória focada na música instrumental, o último disco do Gone (The Epic Trilogy, de 2007) traz um vocalista convidado muito especial: ninguém menos do que HR, do Bad Brains.

Para os tombos, Black Flag com “Wasted”! Essa música está no debut da banda, Nervous Breakdown, lançado em 1978. Então vem uma parte inteiramente filmada na extinta e lendária Turf Skatepark, soterrada em algum lugar de Milwaukee. Nomes como Jeff Kendall, Salba e Jeff Grosso, desafiando as enormes paredes de concreto (incluindo uma cápsula casca-grossa, sem flat), ao som de Sonic Youth (“Catholic Block”), Bl’ast! (“It’s in my Blood”) e Descendents (com o som que leva o nome da banda).

D. Boon, Mike Watt e George Hurley (conhecidos como Minutemen) chegam apavorando com “I Felt Like a Gringo”, para animar a parte de rua de Jeff Kendall. A qualidade é mantida com Pailhead, que vem em seguida, com a faixa “Don’t Stand in Line”. Vale a explicação: Pailhead foi um projeto de curtíssima duração, reunindo a galera do Ministry com Ian MacKaye (Fugazi, Minor Threat etc.). Segue o filme: um full pipe gigante, no Texas, combina com o tema instrumental “Dark and Bright”, da banda Blind Idiot God.

A parte de vert de Jeff Grosso é embalada por “Nervous Breakdown”, do Black Flag. Um dos estilos mais bonitos do vert merece um clássico do hardcore! Mais uma música do Minutemen, “Tension”, foi a escolha para o começo do sono de Jessee na cadeia. E, na hora do sonho (quase) lisérgico de massinha, um tema instrumental de Jerry Webber. Outro som do Pailhead (“Man Should Surrender”) para a parte de Corey O’Brien.

Jeff Hedges e Claus Grabke têm uma parte conjunta, captada na Europa. Destaque para as filmagens pelas ruas de Paris, na época em que ainda existiam as inacreditáveis transições naturais embaixo da Torre Eiffel. Quatro sons nesse segmento: “Hear Me” e “Sometimes”, do fIREHOSE, “Hope” e “Silly Girl”, do Descendents. Mais uma parte para Natas, dessa vez em San Francisco, com o reforço de Julian Stranger e Curtis Stauffer. Há inclusive uma manobra do Natas em Embarcadero, pico que ganharia fama mundial no começo dos anos 1990. Na trilha “Windmilling”, do fIREHOSE (faz parte do álbum “if’n”, de 1987), e “Coolidge”, do Descendents (todas as músicas da banda usadas no filme fazem parte do disco ao vivo Liveage).

A lendária pista Pipeline é devidamente explorada por Salba e amigos, ao som de SWA (“Succumb”), banda formada pelo baixista original do Black Flag, Chuck Dukowski, e Screaming Lord Salba & Heavy Friends, com “Instro”. O filme chega ao final: os créditos sobem com “Depression”, do clássico disco Damaged, do Black Flag. Um final perfeito para um dos melhores filmes de skate já feitos até hoje.

[Matéria publicada originalmente na edição 151 da revista CemporcentoSKATE, em outubro de 2010.]