Entrevista: Marcos Noveline

 

 

O skatista profissional Marcos Noveline foi enfocado em matéria publicada na edição #213 de nossa revista impressa. Agora, você confere a entrevista que realizamos com ele, aqui em nosso site.


Onde você nasceu?
Nasci em São Paulo, no Alto de Pinheiros. Mas cresci no Ipiranga.

 

Como começou a andar de skate?
Eu já via
skate com uns 10, 11 anos, mais ou menos em 1987. A primeira vez que vi foi na frente do prédio que eu morava, tinha uma galera que andava lá, mas eu não conhecia, não sabia o que era. Num determinado dia eu vi uns 10 caras chegando, carregando um quarter, era um quarterzão mesmo. Ai eu falei: “cara***, que louco isso”. Eles pararam no final da rua, era uma ladeirinha. Ai eu lembro que o Cebola, que já era profissional na época e eu nem imaginava, desceu a ladeira e deu um rock n roll de back, aqueles que é mó style, com os pés virados. Quando eu vi aquilo eu pensei: “ é isso que eu quero pra mim!”.

 

Qual foi seu primeiro skate?
A minha irmã mais velha tinha um
skate e já podia sair na rua, e ela era amiga daquela galera que andava na minha rua. Ela tinha comprado porque ela já trabalhava. Era um DM. Ela andava com a galera, só que eu era ‘predial’, e não podia sair na rua. Ai ela começou a largar o skate de lado e comecei a pegar. Eu pulava do prédio, onde tinha uma saída, e saia pra andar. Comecei a conhecer a galera da rua e foi assim que comecei a andar. Então, esse meu primeiro skate foi através da minha irmã.

 

Quem eram seus amigos e onde andavam?
Era o Mauricio Cebola, que ele já era profissional, tinha o Alexandre Mishi, que era profissional do freestyle, tinha o Piolho, o Pintinho, o Alê, irmão do Cebola. A gente ia sempre pro Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. Pegávamos o ônibus e não pagava, ficávamos o dia inteiro no Ibira, voltavamos sujos e com as roupas rasgadas.

 

“Apesar do pouco tempo que conheço o Marquinho, já me sinto amigo dele. Ele tem o jeito zueiro, engraçado, que contagia e aproxima. Acho que isso reflete o skate na veia dele. Um skatista de verdade, que admiro muito pela forma que anda, que dá o sangue, a garra… É vibe de skate, sessão pesada, é 100% ali no rolê, na manobra, com os camaradas, na sessão. (Gian Naccarato).


Quando você percebeu que o skate não era só uma brincadeira de rua?
Cara, o skate, até hoje, ele é uma brincadeira, tá ligado? Ele virou uma profissão, tudo, mas até hoje pra mim o skate é uma brincadeira! Ele é uma maneira de eu me divertir, um modo de eu me soltar, encontrar os meus amigos… é uma maneira que eu consigo me expressar e me faz bem. Skate pra mim ainda é diversão, mesmo sendo profissional.



Sua família sempre te apoiou no skate?
Meus pais nunca gostaram muito que eu andasse de skate. Minha mãe até hoje é meio assim, mas ela aceita, sabe que não tem jeito, que é meu estilo de vida, que me banca, que faz eu estar ai é o skate. Apesar de tudo, ela sempre me ajudou no início do skate, quando eu não tinha dinheiro pra comprar shape, tênis… Lembro que ela passava no cartão dela parcelado e eu ia pagando. Quando eu não tinha, ela me ajudava. Minha mãe me ajudou bastante! Ela chegou a me levar nas pistas quando eu era novo. Mas na real nunca gostou muito. Chegava sujo, rasgado, braço quebrado… qual mãe que quer isso pra um filho? o skate é um negócio difícil.

 

E sua família é de onde, qual a origem?
Minha família é italiana. A família do meu pai, com os meus avós, eles vieram pra cá. Meu pai nasceu aqui. Eles foram morar no bairro do Bixiga, ali do lado da Roosevelt, por sinal. A minha mãe é espanhola. A família dela é a mesma coisa. Meus avós vieram pra cá e ela nasceu aqui. Sou uma mistura de espanhóis e italianos.


“O Noveline tem skate na veia, conheço ele a mais de 20 anos e o mano tem disposição! Nem os pinos e as cirurgias pararam ele! Um verdadeiro guerreiro.” (Rene Shigueto).


Você corria campeonatos?
Eu corri alguns, bem poucos. Eu era mais de sair pra sessão na rua com os amigos, conhecer pistas novas. Competi poucas vezes. Eu gostava mesmo era de andar em lugares novos. Eu preferia guardar meu dinheiro para viajar com os amigos, fazer fotos, criar conteúdos para as marcas e matérias para as revistas. Eu participei de eventos, já venci até uns best tricks, mas eu prefiro viajar com os amigos e fazer coisas novas.

 

Fala sobre seu(s) apelido(s):
Como eu tenho as sobrancelhas largas, peludão, barbudão… desde moleque eu já tinha cavanhaque e barba. Os amigos me chamavam de Papai Noel. Me chamaram de Traquinas também, durante o tempo, por eu ter o rosto redondo. E agora é o animal, personagem dos Muppets, que é um logo que eu uso. Eu tenho uma tatuagem com o rosto dele, model de meia da Gnarly com a cara dele, tem shape… Mas mesmo assim, ninguém me chama de Animal. Às vezes acaba um ou outro chamando, mas animal também é uma coisa que eu uso muito: ‘animal isso daí, yeah’.  E é uma coisa natural então.

 

Você tem amigos fora do skate?
Tenho amigos fora do skate, mas a maioria dos meus amigos são do skate. Tenho até encontrado mais os que não fazem parte do skate, até pra mudar um pouco de ambiente.

 


Quem são seus ídolos no skate?

O Maurício Cebola, que é o primeiro cara que eu vi andar. Ele ainda anda de skate. Wilson Neguinho sempre achei style.
Dos gringos, eu gosto do Ray Barbee, Tommy Guerrero. Mas caras que eu curto mesmo, que são referência pra mim são o Bruno Brown (RIP), Mauro Mureta, o Biano (Bianchin), Tarobinha, Danielzinho (Arnoni).


Fala um pouco do seu filho.
O Isaac
(meu filho) foi planejado. A Daniela engravidou quando eu estava com o joelho lesionado. Depois da cirurgia, eu não aguentava mais TV, não aguentava mais nada…e decidimos ter um filho, Eu tinha 19 anos. Eu e a minha esposa queríamos ter um filho. Eu nasci 20 anos depois do casamento dos meus pais. Minha mãe não podia ter filhos, ela adotou minha irmã. Então, em relação a mim, eles foram meio atrasados, tardios. Eu que tenho pouca diferença pro Isaac já me sinto atrasado. Então, por isso a gente quis ter um filho pra podermos estar mais junto dele, ser um amigo durante seu crescimento. O Isaac é meu amigão, ele tem 20 e eu tenho 41. Sai comigo. É um artista, faz desenhos, anda de skate…  Mas o skate é mais um transporte para ele, um lazer. Ele sempre teve skate desde moleque, sempre acessível a ele, e por conta disso ele nunca se apegou tanto.

“Marquinho é meu melhor amigo. Todo dia na sessão com ele. é o cara que sai pra sessão pra andar de skate de verdade e que vai tomar os rolas mais feios, voltar sangrando, mas vai voltar as tricks. Ele mantém demais essa essência do skate. Depois vai sentar com os amigos, tomar cerveja e rir pra caramba. Como skatista é um dos poucos que me representa. Com ele aprendi como ter dias de skate. O cara anda de skate e depois sai pra se divertir. Ou melhor fica o dia inteiro andando de skate e se divertindo.” (Ricardo Dexter).

Pra quais lugares mais inusitados o skate já te levou?
Um aqui no Brasil, mesmo, foi as Cataratas, que foi o X Games, que eu participei. Cara, a gente mora no Brasil, eu nunca ia falar: “vamos fazer um passeio e ir lá para as Cataratas”. Nunca passou pela minha cabeça. Mas o skate me levou, e eu conheci as Cataratas do Iguaçu. Animal, lindo… uma das 7 Maravilhas do Mundo e eu tive o prazer de ver e conhecer o poder que a água tem. A Califórnia também que eu fui quando estava desenvolvendo o meu shape pela A+, que foi feito lá em San Diego. A pista de San Pedro, a da Volcom, Oceanside… Lá eu conheci vários lugares que eu queria conhecer. Andei na Washington Street, nas pistas, nos Ditches de rua que a galeria cria tipo DIY.

Marcos Noveline Foto: Allan Carvalho

Fale de seus pro models.
O meu primeiro pro model foi feito, mas não foi lançado. Foi na época da fusão da Dynamic, que era eu, o Biano, o Paulo Galera, o Tarobinha e o Luan Oliveira. Nessa época o shape estava pronto, mas não cegou a ser lançado. Saiu até no editorial de uma revista, mas acabou não chegando nas lojas, inclusive até se perdeu e não existe esse meu primeiro shape. Eu tenho uma camiseta, pois saiu junto, mas o shape não. Depois eu tive dos models de shape pela Roll. Um era uma faca na caveira e outra era o Ronald Mc Donalds com um picador de gelo. Depois veio o da Emperor, o circo pegando fogo, um roller sendo esfaqueado e o sangue dele escrevendo meu nome embaixo, e o Animal dos Muppets atacando as facas nele. Depois tive o pro model do Bud e o mais recente da OCB, um promocional que saiu junto uma camiseta. As fotos são do André Calvão, duas minhas e duas do Gugu. Tem os models da Gnarly. Eu estou há uns 5 anos com o Pablo Grow. Tive umas ideias, construi e criei algumas coisas e assim também foi meu pro model de meias.

 

Você odiava rollers, de fato?
Não, não era de bater em roller e odiá-lo(s). A gente que andava em pistas e o roller usava equipamento, joelheira, debaixo da calça, e eles passavam veja por cima da calça pra não travar e rasgar. E nesse momento eles estavam passando vela na pista toda e a gente escorregava.

 

E os patrocínios hoje?
A Element me ajuda com shape e tênis, a Skate For Fun me ajuda com confecção, as meias da Gnarly, a OCB me dá seda e me ajuda a viajar e realizar eventos. A Ollie Barber (Skateshop) me ajuda com peças também.

E suas lesões? Conte um pouco.
A minha primeira lesão foi quando eu era mais novo. Foi em 2003, eu já estava com uns 25 anos
. Eu estourei o joelho. Eu fui descer um corrimão de pista que era em cima da 45º. Era um domingo e meu shape tinha quebrado. Eu tinha um novo, mas não tinha lixa. Ai fui andar assim mesmo. Andei o dia inteiro e na hora de ir embora quis descer o corrimão. Dei um rockslide e escapou, cai do outro lado da rampa com a ponta do pé, desci com o peso todo e virei o joelho. Estourei menisco e ligamento. Quase um ano sem andar de skate.

Quatro anos depois, quebrei o tornozelo. Foi um dia que a pista da japonesinha da Barra Funda estava lotada. Tinha uma minirampa que descia da alta pra baixa, eu eu dava os grinds descendo. Numa dessas apareceu uma criança. Eu tirei o grind antes, mas espirrou e eu pisei na transição, na hora o pé quebrou pra fora, fez ‘ploc’ e ficou pendurado. Fui direto pra cirurgia. Coloquei platina e sete parafusos.

Uns três anos depois meu joelho, operado, sofreu desgaste. Refiz a cirurgia, mas deu fibrose. Uma semana depois tive que refazer novamente a cirurgia. Tiramos a fibrose, mas o joelho ficou meio curto. Ai optei por fazer aquela com Cybex. O joelho voltou. Estourou tudo e voltou tudo, na marra.

Recentemente, em 2018, numa sessão no Bom Retiro, no bowl, tinha um cara me atrasando dando ‘roll in’ e ‘roll out’. Toda hora que eu ia entrar era a mesma coisa. Ai eu desci meio ‘na nóia’ e quis dar um smithão na parte funda, no gás, mas eu estava com roda pequena, de street. O Smith passou para boardslide, cai sentado e despenquei pro fundo de ponta cabeça, lá no zero. A reação foi colocar o braço e ele quebrou torcendo. Quando levantei, meu braço estava solto. Estavam comigo o Biano e o Mancha, que ficou em choque total, haha. E o Biano já tinha me chamado pra tomar um açaí e eu quis dar o último Smith. É sempre assim, na última…

“Falar de Marcos Noveline é falar de um grande amigo, de um irmão, um parceiro de sessão e pra toda hora. Skatista de verdade, de muita atitude, que anda em qualquer terreno. Anda e acredita muito no skate. É um verdadeiro dagger. Sem contar que é uma pessoa fora de série, de coração enorme. Noveline é skate na veia até o tutano!” (Biano Bianchin).


E as fotos da sua matéria da edição #213, são de quando?
Todas as fotos da matéria são de antes da
última lesão, menos o backside rockslide clicado pelo Ban (Allan Carvalho).

Marcos Noveline: backside rockslide. Foto: Allan Carvalho


Qual foi sua melhor fase?
Eu considero todas as fases boas. É lógico que tem uma em específico, que era quando eu estava vivendo mais do skate. Ganhava um salários melhores, estava viajando bastante com as marcas. Mas hoje em dia não deixo de fazer nada disso. Continuo viajando, mas é uma questão de grana mesmo, no país que a gente está, na situação que a gente está passando, se eu não tivesse um pro model e uma camiseta, um collab com a OCB, ou com a Gnarly, e se não estivesse fazendo as coisas por mim, talvez eu não estaria mais vivendo do skate. Eu estaria andando de skate e não vivendo do skate. Eu considero a minha fase atual uma fase boa, pois ainda tenho projetos pra sair, essa própria entrevista aqui… Tive várias fotos publicadas pela Cem, mas nunca tive uma entrevista aqui. E é uma coisa que eu acho legal, que é uma revista, uma marca que eu considero muito. Sempre gostei de sair na CemporcentoSKATE. Então, acho que não tem fases boas e ruins. Acho que todas as fases são boas, cada uma tem o seu valor.

 

E o que você acha das revistas de skate?
Quando eu morava em Florianópolis (SC), eu ia todo o mês na banca comprar as revistas. Eu trampava com informática. Eu saia do trabalho no final do mês e ia comprar as revistas. Todos os dias eu andava naquela minirampa animal que tinha na Praia Mole (Do Molhe). Eu andava de skate, estava num lugar distante e queria as informações. Hoje estamos na fase da internet, mas eu acho que é uma coisa que não pode se perder, a revista impressa. Eu gosto muito. Eu acredito muito no bom gosto da coisa apresentada no impresso. E ela tem como durar muito. Além disso, é o skate levado à sério.


Marcos Noveline Foto: Allan Carvalho

Olimpíadas, grandes ligas/campeonatos…
O skate tem pra todos esses ai, esse público. É lógico que o skate sempre foi discriminado, marginalizado no começo, certo? Hoje o skate é bonito, está nas Olimpíadas, só que vai ter o público olímpico, vai ter o público que vai continuar igual nós, mais underground, querendo se divertir e andar de skate. E vai ter o público campeonato. Vai ter o público rua, vai ter o público pista, que vai andar em bowl, o grupinho rua pura, vai ter o grupinho Olimpíadas, o grupinho Street League. Mas o meu personagem, o meu lado, é manter as minhas raízes.

 

Maior loucura que já fez com o Skate?
Vou contar uma história: Aconteceu uma vez um campeonato amador no Guarujá. Eu fui, tinha dinheiro para as passagens e para almoçar. Fui viajar felizão, na hora do evento eu tava felizão, andei bem, fiz a linha como queria, mas ai quebrou meu shape. Quebrou e eu já tinha gasto o meu dinheiro com comida. Me dei mal no campeonato, acabei indo embora, mas cheguei tarde na rodoviária. Naquela época o próximo ônibus era só as 6 da manhã. Tive que dormir na rodoviária. Ai eu peguei os cadarços do meu tênis e amarrei minha mochila e tudo junto pra ninguém me roubar. E deitei la no banco e dormi. Mas eu acordei com um cara esquentando os cadarços com um isqueiro pra roubar meu skate e minhas coisas. Quando eu acordei ele saiu correndo e eu atrás dele xingando. Mó loucura, eu estava sozinho, foi uma coisa louca.