Eu não sei por que nunca contei essa história antes. Não há uma boa explicação. Foi vacilo mesmo, puro e simples. Toda vez que esbarrava com o vídeo (sim, a cena foi filmada), era tomado por uma alegria genuína, misturada com a percepção jornalística de um momento no qual o entrevistado foi “desarmado”. Chegaremos lá.

Nove anos depois do ocorrido, aqui estou para compartilhar essa passagem e desfazer o erro histórico de ter guardado isso apenas para mim. Vamos aos fatos: em 2010, Tony Alva e John Cardiel visitaram o Brasil, ao lado de Steve Van Doren, da Vans. Um encontro com a imprensa foi marcado num restaurante em São Paulo e a equipe da Cemporcento se deslocou para lá, com as missões definidas: o Charles Franco falaria com o Van Doren; o Douglas Prieto entrevistaria o Cardiel; e eu trocaria uma ideia com o Tony Alva. Depois de uma generosa feijoada, cumprimos os deveres profissionais e, quando finalizei o papo com o Alva, caminhei em direção ao fundo do salão, onde o Douglas ainda conversava com o Cardiel.

Eu levava na mochila uma revista de skate antiga, com o desejo de pegar um autógrafo do Cardiel nas páginas que traziam uma entrevista com ele. Era uma edição de 1992 da RaD Magazine, uma revista do Reino Unido que circulou entre 1987 e 1995, e que foi muito importante para a cena europeia. Ela tinha um formatão maior, 23cm x 30cm, algo que a diferenciava tanto das revistas nacionais quanto das norte-americanas. Era muito legal ver as fotos impressas naquelas páginas grandes!

 

Pois bem, dei a mão pro Cardiel, sentei-me à mesa e, quando tirei a revista da mochila, veio a surpresa: “Uau”, soltou o elemento, de uma maneira indiscutivelmente sincera. Ele parecia não acreditar que estivesse vendo aquela RaD depois de tantos anos. “Cara, essa é a minha viagem favorita, eu não acredito que você tem esta revista”, disse, já folheando e com o olhar cheio de alegria. “Eu quero esta revista”, admitiu antes de dar uma risada e explicar melhor: “Eu quero encontrar uma”. De fato, eu não tinha intenção nenhuma de me desfazer do meu tesouro. Desculpa aí, Cardiel.

 

Ele seguiu com o olhar fixo na revista, provavelmente mergulhando em lembranças enquanto virava as páginas. Nesse momento, eu não estava mais sentado em frente a uma lenda do skate: John tinha voltado no tempo, olhando para si mesmo com 18 anos, naquelas fotos clicadas pelo grande Skin Phillips em pistas e picos de rua ingleses. De repente, mirou de novo na minha direção e reafirmou que aquela skate trip tinha sido marcante para ele. Numa mistura de nostalgia com respeito, afirmou: “Mark Gonzales estava nessa viagem”. O skatista dos skatistas, é assim que fala?

Cardiel baixou a cabeça novamente e continuou compenetrado na leitura. Então, casualmente, indagou: “Você quer fazer algumas perguntas?”. Respondi apenas que ele poderia ficar à vontade para ler a revista. Na minha cabeça, entretanto, eu já sabia que tinha algo muito maior do que qualquer entrevista que eu pudesse fazer.